quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Sistemas Abertos e a Organização da Vida

O advento da Sociedade de Crescimento Industrial e da ciência moderna se deram concomitantemente, sob o olhar das teorias de René Descartes e Francis Bacon que tiraram o foco da visão orgânica e holística da estruturação da vida para uma visão mecânica e analítica. Desta mudança na cosmovisão, o mundo passou a ser interpretado a partir de modelos que legitimam como ‘científico’, aqueles processos que podem ser descritos objetivamente e que são passíveis de controle por parte do observador. Observador e objeto separam-se em duas entidades distintas. Tal pensamento alavancou o desenvolvimento tecnológico, todavia não deu conta de explicar os processos de auto-renovação da vida.

Cada vez que a ciência pensava ter descoberto a menor estrutura que compunha a matéria, via-se esta menor ‘entidade’ se reduzindo ainda mais, e dissolvendo num aparente ‘nada’. Percebeu-se então que a realidade não era constituída de ‘coisas’ ou ‘substâncias’ e sim de ‘energias’ em dinâmicos relacionamentos entre si.


Os cientistas da vida adotaram então uma nova estratégia: começaram a olhar para o todo, ao invés das partes, para os processos, e não somente para as substâncias. Percebeu-se então que este ‘todo’ não se tratava de um conglomerado de coisas distintas coexistindo entre si, mas sim de ‘sistemas’ dinamicamente organizados, complexamente equilibrados, interdependentes em cada movimento, cada função, cada troca de energia e de informação – seja uma célula, um corpo, um ecossistema ou o planeta em si. Cada elemento faz parte de um padrão mais amplo, um padrão que se conecta e se desenvolve por meio de princípios discerníveis.


O biólogo austríaco Ludwig von Bertalanffy batizou tais princípios de ‘Teoria Geral dos Sistemas’ e suas teorias espalharam-se rapidamente pelo campo das ciências físicas, biológicas e sociais. O antropólogo Gregory Bateson chamou-a “a maior mordida no fruto da Árvore do Conhecimento em dois mil anos”.

 A auto-organização da vida
 


A alternância do foco das ‘entidades isoladas’ para os ‘relacionamentos dinâmicos’, conduziu os cientistas a uma descoberta muito especial: que a Natureza se organiza sozinha. Assim sendo, partindo desta percepção, dispuseram-se a compreender os princípios pelos quais se dá essa auto-organização. Descobriu-se que tais princípios ou ‘propriedades sistêmicas’ são extremamente elegantes em sua simplicidade e constância por todo o universo observável, dos sistemas sub-orgânicos aos biológicos, ecológicos, assim como dos sistemas mentais e sociais. As propriedades dos sistemas abertos que possibilitam que a variedade e a inteligência das formas de vida surjam das correntes interativas de matéria e energia são (até o presente momento) quatro:

 

1. Todo sistema, do átomo à galáxia, é uma totalidade, e não pode ser reduzido a seus componentes. Sua natureza e capacidade distintas derivam dos relacionamentos interativos de suas partes. É um jogo ‘sinérgico’ gerando sempre ‘propriedades emergentes’ e novas possibilidades que não podem ser previstas a partir do caráter de suas partes – assim como a natureza úmida da água não pode ser predita a partir do oxigênio e do hidrogênio antes de se combinarem.



2. Graças às constantes interações entre ‘matéria-energia’ e ‘informação’ os sistemas abertos conseguem manter seu equilíbrio – eles se auto-estabilizam. Bertalanffy chamou essa capacidade de ‘fluxo/equilíbrio’. Por meio destas interações de adaptabilidade os sistemas podem se auto-regular para compensar condições cambiáveis em seu ambiente. Essa função homeostática é realizada pelo registro/acompanhamento dos efeitos de seu próprio comportamento, ajustando-o às normas particulares deste ambiente. É uma função de ‘feedback de redução do desvio’ – por meio deste sistema, mantemos a temperatura do corpo ou curamo-nos de um ferimento.



3. Sistemas abertos, além de manter o equilíbrio em meio ao fluxo, evoluem em meio a sua complexidade. Quando um desafio imposto pelo ambiente persiste, o sistema pode se adaptar ou desmontar, reorganizando-se em torno de novas normas, capazes de reagir melhor às novas condições. É um ‘feedback de ampliação do desvio’. Por meio deste sistema, evoluímos desde a ameba até aqui. Todavia, se nossas mudanças não forem compatíveis com as mudanças no sistema, este pode entrar em colapso.



4. Todo sistema é um ‘holon’ – ou seja, é tanto algo inteiro em si mesmo, compreendido por subsistemas, como é simultaneamente parte integral de um sistema maior. Logo, os holons formam ‘hierarquias aninhadas’, sistema dentro de sistema, circuito dentro de circuito, campo dentro de campo. Cada nível holônico – digamos, do átomo para a molécula, da célula para o órgão, da pessoa para a família – gera propriedades emergentes que não se reduzem às capacidades dos componentes separados. Bem diferente das hierarquias de controlo conhecidas das sociedades nas quais as regras são impostas de cima para baixo, nas hierarquias aninhadas (holonarquias) a ordem tende a vir de baixo para cima; o sistema se gera sozinho a partir da cooperação adaptativa e espontânea entre as partes, em benefício recíproco. Ordem e cooperação andam de mãos dadas, e os componentes se diversificam coordenando papéis e inventando novas respostas.


Na compreensão da teoria geral dos sistemas, surge o eco de um sentido de ‘Eu-Ecológico’, que transcende o ‘Eu-Antropocêntrico’, cindido e separado do todo. O discurso “Estou protegendo a floresta tropical” transforma-se em “Sou a floresta tropical que acabou de desfrutar deste pensamento” – uma capacidade de auto-percepção mais ampliada, empática e dinâmica no que concerne agir a favor da vida na Terra: de sua própria vida na Terra!! E que alívio sentimos, então! Acabaram-se milhares de anos de separação imaginária e começamos a recordar de nossa verdadeira natureza. Ou seja, a mudança é espiritual, às vezes chamada ecologia profunda.”

(Itálico de John Seed - Ecopsicólogo Norte Americano)


Organizado por: Rogério Meggiolaro – Satyavan


rogeriomgs@gmail.com


http://www.neohumanismo.org/

A Grande Virada

Vivemos um momento fantástico da história da Terra. O intelecto humano foi capaz de desenvolver nestes últimos 2 séculos, mais tecnologia do que em todos os outros milênios de jornada no planeta somados em um todo. Muito do que surgiu na mente humana a tempos atrás como remota ficção, hoje se tornou realidade: a capacidade de viajar pelo espaço; de acessar esconderijos do corpo com sondas capazes de filmar e fotografar a fisiologia humana; telescópios e microscópios de superpotência desvendando os mistérios da origem da vida no Universo; fontes de energia das mais diversas naturezas.

Concomitantemente, testemunhamos a destruição da vida em dimensões que nossos ancestrais jamais vislumbraram na história. É claro que houveram momentos críticos de destruição, como na construção de antigos impérios e em grandes guerras do passado, em tempos de pragas, pestes e fome; no entanto, nunca a vida na terra esteve ameaçada em escala global, pondo em risco até mesmo o plâncton que produz o oxigênio dos mares.

A questão é que, para atingir seus fins comerciais e mercantilistas, nossa atual civilização humana não mensurou o impacto dos meios pelos quais se valeu para trazer à tona tamanho ‘desenvolvimento’. O ecofilósofo norueguês, Sigmund Kwaloy, nomeou este período histórico no qual vivemos de ‘Sociedade de Crescimento Industrial'. Dentro desta perspectiva, a Terra é tida como uma grande fonte matéria prima para a produção de bens de consumo, e ao mesmo tempo como um depositário de todos os excedentes residuais desta produção. O corpo do planeta é escavado e transformado em mercadorias vendáveis e envenenado com subprodutos industriais. 

Agravando o cenário, a crescente explosão demográfica mundial demanda cada vez mais produtos industrializados, uma vez que a maior parte da população habita centros urbanos e se ocupa com trabalhos que geram recursos financeiros, ao invés de produtos que garantam a subsistência dos indivíduos e suas famílias. Os recursos naturais utilizados para suprir estas necessidades em larga escala não são renováveis, o que implica num desgaste irreparável do corpo de Gaia.


Opção por um mundo sustentável


É o momento de fazermos uma escolha, pois chegamos a uma encruzilhada de nossa marcha pela história na qual temos que optar entre a vida ou morte de nossa espécie sobre este planeta. Contamos com conhecimento científico e recursos tecnológicos suficientes para mudarmos o paradigma da ‘Sociedade de Crescimento Industrial’ pela máxima de uma ‘Sociedade de Sustentação da Vida’. O movimento em direção a esta mudança tem sido chamado por ecologistas de todo o mundo de ‘A Grande Virada’, e é dividida em três esferas de ação:


1. Ações em defesa da vida na Terra


São as atividades mais ‘visíveis’ da Grande Virada. Incluem todo o trabalho político, legislativo e jurídico necessário para reduzir a destruição, bem como ações diretas – bloqueios, boicotes, desobediência civil e outras formas de protesto. É a estância mais exaustiva do processo, um trabalho heróico, sob os holofotes da mídia, ameaças e agressões contra ativistas, falta de verbas, batalhas judiciais perdidas, etc. Este trabalho nos ajuda a ganhar tempo, salva algumas vidas e alguns ecossistemas, espécies e culturas... mas não é suficiente para fazer com que a nova sociedade surja.




2. Análises de causas estruturais e criação de instituições alternativas


Precisamos compreender claramente as dinâmicas da Sociedade de Crescimento Industrial para que possamos elaborar estratégias viáveis para substituí-la pela Sociedade de Sustentação da Vida. Nesta esfera de ação, trazemos ao conhecimento público - por meio de palestras, workshops, seminários - os mecanismos que permeiam os bastidores da economia global, desmistificando as crenças que sustentam estes paradigmas de consumo desenfreado e oferecendo informações sobre seu real impacto sobre o planeta e as futuras gerações. Afinal de contas, é a própria população quem sustenta este mercantilismo e ela mesma é quem pode dar conta de o transformar, a partir de um sistema educativo que apresente soluções práticas que possam ser suplantadas para a mudança da consciência global e dos hábitos de consumo.




3. Mudanças na percepção da realidade em termos cognitivos e espirituais


As novas instituições que vêm surgindo como fruto da Grande Virada só poderão subsistir se houver uma profunda mudança no modo como o senso comum percebe a realidade – seja a realidade num sentido ontológico assim como no sentido da percepção da totalidade que envolve cada ser. Muitos ‘insights’ desta percepção tem contribuído para a abertura consciencial de inúmeras pessoas e até mesmo de organizações. Teorias como a física quântica, a astrofísica e a teoria dos sistemas vivos que hoje permeiam as ciências, a filosofia e as artes têm contribuído para que a mente humana avance além dos paradigmáticos preceitos materialistas e reducionistas construídos nos últimos dois séculos de descobertas científicas e da revolução industrial. Neste salto, o ser humano começa a retomar a percepção de si mesmo como parte de um Todo, a resgatar a sabedoria dos povos nativos, a mística das antigas religiões e as canções dos ancestrais que celebram a unidade sagrada do homem e da Natureza, lembrando que estar vivo é em si uma missão.

Chegamos a um período de confluência de três rios – a angústia por nosso mundo, os avanços científicos e os ensinamentos ancestrais – diz Joanna Macy, ecologista da Grande Virada – e bebemos desta água. Despertamos para aquilo que antes sabíamos: estamos vivos num planeta vivo, fonte de tudo o que somos e podemos realizar.

Organizado por Rogério Meggiolaro – Satyavan

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Os 11 princípios do espírito ecológico

1. A Fonte da Natureza é o espírito

2. A Natureza não é um acidente. Tem significado, significância e propóssito

3. Alguns aspectos da Natureza são invisíveis.

4. A Natureza é parte de um todo maior, além do tempo e do espaço.

5. A Beleza da Natureza tem valor intrínseco.


6. O que preserva a beleza e a harmonia da Natureza é bom. O que a destrói é ruim.

7. Todos os animais, plantas e paisagens são sagrados.

8. Todas as criaturas tem direitos iguais à auto-realização

9. O mundo interior é parte da Natureza.

10. Devemos celebrar a criação com música, dança, arte, poesia e contos.

11. A ciência é uma ferramenta indispensável para adquirir conhecimento da Natureza. Mas o "ciencismo" (a crença de que a ciência é a ÚNICA fonte de sabedoria) é uma filosofia perigosa e desvirtuada.